Luta de Gigantes

Por Ricardo Zelenovsky e Alexandre Mendonça

Para os leitores desta coluna de Hardware, acostumados às comparações entre CPUs, é óbvia a identidade dos dois atores envolvidos nesta "Luta de Gigantes". Porém, mais do que fazer referência aos fabricantes de processadores, existe no título um pequeno trocadilho, pois, nos dias 6 e 8 de março, foram anunciadas as disponibilidades comerciais de dois processadores que trabalham com relógio de 1.000 MHz, ou 1 GigaHertz: Giga –Athlon e o Giga-Pentium III. Deixando os trocadilhos de lado, vamos aos fatos acontecidos.

No dia 6 de março, a AMD anunciou comercialmente a primeira CPU x86 que rompe a barreira de 1 GHz e, seguindo a cadência, foram anunciados também os Athlons de 900 MHz e 950 MHz. Dois dias depois, a Intel, cujo último lançamento era um Pentium III 800 MHz, saltou para 1 GHz, ignorando os passos intermediários de 850, 866, 900, 933 e 966 MHz. O último artigo desta coluna abordou o processador Athlon da AMD. Para este número, planejávamos um estudo do Pentium III. Porém devido a esses lançamentos, consideramos ser mais proveitoso fazermos um pequeno estudo comparativo entre essas CPUs, dentro do qual incluiremos algumas características e particularidades do Pentium III. Ao final apresentaremos uma pequena descrição do que se considera serem os planos da Intel para os próximos anos e terminaremos com uma consideração sobre quem realmente precisa de CPU de 1 GHz.

O GIGAnte da Intel

O Pentium III 1 GHz é baseado no núcleo Coppermine que utiliza tecnologia de 0,18m . Sua grande característica, e que lhe dá alguma vantagem sobre o Athlon, é o fato do seu cache L2 estar integrado dentro do chip, através de um barramento de 256 bits, e de trabalhar com o mesmo relógio do núcleo. O Pentium III usa a tecnologia SSE ("Streaming SIMD Extensions"), que é uma evolução do MMX e que promete acelerar aplicações multimídia, trabalhos com animação e processamento de sinais de voz e até vídeo. A palavra "streaming" está presente porque, segundo a Intel, existem novas instruções que aceleram as transferências de longos fluxos de dados, entre CPU e memória. Assim, não só a multimídia e as operações 3-D serão beneficiadas, mas sim todo processamento que acesse grandes blocos de dados, como é o caso do gerenciamento de bancos de dados. Existem também as extensões das instruções MMX denominadas novas instruções de mídia, que trabalham com inteiros e são destinadas a processamento de vídeo e reconhecimento de voz. É claro que essas vantagens só serão observadas se os programas forem preparados para tirar partido dessas novas instruções. Apesar do que foi muito alardeado pela Intel, suas CPUs Pentium III pouco desempenho trouxeram para os acessos Internet. Os mais atentos devem se lembrar do esquema publicitário "behind the blue door", que acompanhou o lançamento do Pentium III. Bem, até agora não encontramos relatos conclusivos sobre esse suposto aumento de desempenho. Acreditamos que num futuro, quando os "sites" oferecerem mais emprego de animação e efeitos sonoros, venhamos a ver vantagens.

Além disso tudo, o gargalo da Internet, especialmente para nós brasileiros, é a baixa velocidade das conexões. De nada adianta um processador rápido, se o que ele vai processar se "arrasta" pela Rede. A figura 1 apresenta um diagrama de blocos com os detalhes de barramento e memória cache do Pentium III, com núcleo Coppermine e rodando a 1 GHz. Existem, de parte da Intel, três chipsets disponíveis para este processador: i810e, i820 e i840. O i810e é uma solução de baixo custo com a parte gráfica, já incluída no CI e será deixada de lado. Por sua vez, o i820 pretende ter seu uso em computadores de mesa, porém há boatos de ter havido problemas com as memórias RDRAM (defeitos nos bits ECC – "Error Correting Code"). Assim, o i840 parece mostrar-se a melhor solução, oferecendo dois canais de memória, mas é o chipset mais caro. É necessário um alerta: as atuais placas da Intel, as OR840, estão limitadas pela BIOS a rodar no máximo em 800 MHz. Existe também o chipset Apollo Pro 133A VIA, que, apesar de não ser um dos mais avançados, traz a agradável solução de permitir o emprego da PC133 SDRAM, o que mantém o sistema em um custo razoável. Uma característica assustadora sobre essa CPU é o seu limite de temperatura que é de 60
oC, o que pede um gigantesco dissipador. Os informes também acusam um grande apetite por corrente elétrica (grande consumo). O principal problema com esse processador parece ser sua disponibilidade, pois, por tudo que pudemos apurar, parece que a Intel não os têm para atender à demanda comercial. Acusam até que a Intel só conseguiu entregar umas poucas amostras para a mídia americana e deixou os europeus a ver navios.

 

Figura 1. Detalhes do cartucho e do chip Pentium III Coppermine da Intel.

O GIGAnte da AMD

O núcleo Athlon foi lançado em agosto do ano passado e estudado nos dois últimos números desta revista. A tecnologia utilizada é a de 0,18 mícron com condutores de alumínio. O Athlon utiliza uma arquitetura interna superior à do Pentium III, porém sua grande desvantagem está no cache L2, localizado fora do chip, num barramento BSB ("Back Side Bus") que, com uma largura de 64 bits, trabalha a um terço da velocidade da CPU. Apesar do núcleo "rodar" em 1 GHz, o cache L2 trabalha em 333 MHz. O Athlon de 800 MHz tem o cache L2 operando a 40% do núcleo e esperava-se uma relação semelhante para o de 1 GHz, mas, ao que parece, não foi possível e ele tem o cache L2 trabalhando apenas a 33% da velocidade do núcleo. É um problema de difícil solução trabalhar em altas velocidades com um cache externo. Essa deficiência promete ser sanada com o núcleo Thunderbird, que utilizará tecnologia de 0,18 mícron e condutores de cobre. Nessa CPU, o cache L2 estará integrado junto com o chip e trabalhará na mesma velocidade que o núcleo, ao qual estará conectado através de um barramento de 256 bits. A figura 2 apresenta o diagrama em blocos do Athlon de 1 GHz, utilizando o chipset AMD-750.

 

 

Figura 2. Detalhes do cartucho do chip Athlon da AMD.

Já que se falou de chipset, vale lembrar que, como já dissemos nos números anteriores, esse é outro grande problema da AMD. Ela está trabalhando de forma intensa com outros fabricantes para ver se em breve oferece outras plataformas e um melhor desempenho. Assim como o Pentium III 1 GHz, o Athlon 1 GHz também pede um gigantesco dissipador de calor e trabalha com tensão de 1,8 V. Para terminar, apresentamos a grande vantagem do Athlon: ao que tudo indica, Intel não tem Pentium III 1 GHz para fornecer comercialmente. Enquanto isso, o Athlon segue na dianteira. Já está à venda o Presario da Compaq e um Gateway "motorizados" com o Athlon 1 GHz.

Comparação de Desempenho entre os dois Gigantes

Todos gostam de ver gráficos comparando o desempenho dos processadores e realmente eles são bastante elucidativos. Porém, sempre é bom lembrar que eles dão apenas uma idéia do desempenho e que são fortemente influenciados pelas plataformas onde foram realizados. Apresentamos a seguir, na figura 3, dois quadros comparativos que foram obtidos junto ao site de Thomas Pabst (
www.tomshardware.com). No quadro da esquerda, está o desempenho quando usado com aplicativos do Office com windows 98 e, no quadro da direita, quando usado com programas que solicitem mais da parte multimídia e, nesse caso em particular, o pacote trazia recursos para as instruções 3DNow da AMD, o que, de certa forma, explica a superioridade da AMD. O interessante é que os melhores desempenhos foram obtidos com o chipset 440BX, que é um pouco antigo.

Office com ‘Windows 98SE

Quake2 Crusher

P1 – Athlon – VIA apollo KX 133 PC 133

P2 – Athlon – AMD 750 PC 100

P3 – Pentium III – 440BX 133 MHz FSB PC 133

P4 – Pentium III – VIA Apollo Pro 133A PC 133

P5 – Pentium III – i820 PC800 RDRAM

P6 – Pentium III – i820 PC700 RDRAM

Para terminar essa parte de desempenho, é interessante comentar que o teste com o "3D Studio Max Release 1", que é um pouco velho mas traz a vantagem de não ter recursos para 3DNow ou SSE, ou seja, ele é completamente executado pela unidade de ponto-flutuante do processador. Outro ponto importante é seu tamanho, pequeno o suficiente para caber dentro do cache L1, ou seja, ele é totalmente independente da plataforma (depende apenas do desempenho da unidade de ponto-flutuante). O resultado é que, para cálculos, o Athlon é 33% mais rápido que o Pentium III; assim, quem executa aplicativos científicos, certamente terá melhor proveito ao usar o Athlon.

Nomes Confusos

O quadro a seguir apresenta uma tentativa de se agrupar de forma clara os nomes e núcleos que a Intel usa. Note o Pentium II, por exemplo: dependendo da velocidade e da aplicação (desktop ou móvel) muda o núcleo usado neste processador. Essa tabela é também uma tentativa de se "adivinhar" quais serão os próximos lançamentos da Intel e, é claro, não conseguimos torná-la completa; por isso usou-se "xxx" ou "?" nos campos onde não se tem informação e o nome Pentium IV é também um exercício de advinhação.

Nome

Clock

Aplic.

Núcleo

Cache L2

Vel. L2

SIMD

Die Tec (m )

Pentium II

233 – 300

Desktop

Klamath

Externo

1/2

MMX

.33

Pentium II

300 – 450

Desktop

Deschutes

Externo

1/2

MMX

.25

Pentium II

233 – 300

Móvel

Deschutes

Externo

1/2

MMX

.25

Celeron

266 – 300

Desktop

Deschutes

Não tem

-

MMX

.25

Celeron

300A – 500

Desktop

Mendocino

Interno

Plena

MMX

.25

Celeron

266 – 400

Móvel

Mendocino

Interno

Plena

MMX

.25

Pentium II

266 – 400

Móvel

Dixon

Interno

Plena

MMX

.25

Pentium III

500 – 600

Desktop

Katmai

Externo

1/2

SSE

.25

Pentium III

550 – 800

Desktop

Coppermine

Interno

Plena

SSE

.18

Pentium III

450 – xxx

Móvel

Coppermine

Interno

Plena

SSE

.18

Celeron

566 – xxx

Desktop

Coppermine

Interno

Plena

SSE

.18

Pentium III Xeon

Mais de 256K L2

Desktop

Tanner

Externo

Plena

SSE

.18

Pentium III Xeon

256K L2

Desktop

Cascades

Interno

Plena

SSE

.18

Sem nome

Contr Mem+graf

Desktop

Timna

Interno

Plena

SSE

.18

Pentium IV

?

Desktop

Willamette

?

?

?

.18

Pentium IV Xeon

?

Desktop

Foster

?

?

?

.13

Sem nome

Arquitet. IA64

Desktop

Itanium

?

?

?

.13

Sem nome

Arquitet. IA64

Desktop

McKinley

?

?

?

?

De posse da tabela podemos fazer alguns comentários sobre o futuro das CPUs da Intel. Ao que parece, a Intel não terá uma resposta séria para o Athlon até o lançamento do Williamette. Os planos eram de lançar Williamette ("free Willie") no final deste ano, mas parece que há mudanças táticas. Um ponto interessante nos planos da Intel é o processador Timna, que foi desenvolvido em Israel e leva o nome de um parque nacional daquele país. Seu lançamento deverá ocorrer no último quadrimestre deste ano, com relógios de 733 e 800 MHz. O alvo desta CPU será os computadores de preço muito baixo, algo perto dos US$ 600,00. Para tanto, este processador trará integrado dentro do seu chip o controlador de memória e o controlador gráfico. Essa tecnologia é apelidada de de ‘Sistema em um único chip". O seu nome comercial ainda será Celeron. Como sua meta é o preço, certamente o desempenho desta CPU será inferior ao de seus irmãos (Celeron) mais antigos. Permanecemos ainda na espectativa, tentando imaginar como serão os precessadores de 64 bits (IA64).

Quem Precisa de 1 GHz

Terminamos este artigo com uma pequena discussão sobre quem precisa de um processador de 1 GHz. Falemos inicialmente das fraquezas humanas. Nada nos dá mais orgulho (ou vergonha) que falarmos a velocidade de nosso processador. A vaidade da velocidade suplanta todas as outras. Em segundo lugar vem a vaidade da velocidade do leitor de CD-ROM (48x, 52x, 64x, ...) que é seguida de perto pela da quantidade de memória, as demais, como capacidade do HD, porta USB e tamanho de monitor se confundem no plano de fundo. O "no-break", coitado, ocupa uma das últimas posições. Apesar de sua extrema utilidade num país que tem rompantes de apagões, nunca vimos alguém se gabar de seu "no-break".

Nosso passado não muito remoto era muito bem caracterizado pelo ditado "O que a Intel dá, a Microsoft toma". Naqueles dias, mesmo nos calçando com os processadores mais rápidos, em pouco tempo a Microsoft gastava nossa sola, deixando-nos descalços e obrigados a comprar um novo processador para rodar as novas versões dos programas. Esses dias, felizmente, ficaram para trás e, nos últimos dois anos, Bill Gates tem dado paz para nossos pés. Além dos programas, temos a coqueluche do momento, a Internet, que não precisa de CPUs rápidas, mas sim de dutos largos o suficiente para que os dados fluam mais rapidamente. Mas então, se não é motivado para rodar os novos programas ou para aumentar a velocidade da Internet, por que essa corrida para atingir os 1GHz? Vaidade é a resposta. Algo parecido como ser o primeiro a romper a barreira do som, o primeiro a entrar em órbita ou primeiro a pisar na Lua. O que houve foi uma competição para ver quem seria capaz de apresentar a primeira x86 comercial rodando em 1 GHz.

Os preços são proibitivos. O Athlon 1 GHz está custando US$1.299,00 em lotes de 1.000 unidades e os preços do Pentium III certamente estão mais acima. No entanto, se a corrida continuar e a AMD prosseguir puchando os preços para baixo, dentro de um ano ou dois veremos processadores rodando a 2 GHz. Quando esse dia chegar, compraremos os computadores com CPU de 1GHz, pois estes certamente estarão custando menos que US$2.000,00. Que lutem cada vez mais !

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Ricardo Zelenovsky (zele@leblon.ime.eb.br) e Alexandre Mendonça (alexmend@aquarius.ime.eb.br) são professores do IME e autores dos livros "PC e Periféricos: um Guia Completo de Programação" e "PC: um Guia Prático de Hardware e Interfaceamento - 2
a Edição" (http://www.mzeditora.com.br).